Acho que assim de repente, entre um episódio do Sexo e a Cidade , pintar as unhas e um Materchef, fez-se luz nisso da relação entre ser-se solteirona e ter-se gatos, aliás, esse cliché de ter de ser um gato transtorna-me tanto ou mais do que essa espécie de compensação de quatro patas.
Ainda pensei que isso de ser arranjar um gato para colmatar os espaços deixados em branco por uma não existência de vida amorosa se prendesse com o conceito de fofinho que, talvez, os gatos consigam suscitar. Podia ser que estivesse relacionado com o facto de eles serem mansarrões, de gostarem de estar aninhados no sofá, por ronronharem, sendo isso considerado como um expressar de carinho e satisfação ao serem afagados, ou até , quem sabe, por poderem eventualmente aquecer os pés nas noites frias, mas não. De repente formou-se na minha cabeça uma teoria muito mais complexa que isso do pêlo macio, das festas e das noites de manta no sofá. Na verdade a coisa é muito mais complicada que isso.
Os gatos são conhecidos e apreciados pela sua independência em relação aos donos, pelo facto de pedirem, e terem, festas e mimos quando a eles lhes apraz, de se esfregarem nas pernas quando chegamos a casa como forma de contentamento para, logo depois, pedincharem comida, a qual agradecem com mais umas "marradinhas frenéticas ao nível das canelas", de terem vontade personalidade própria. São conhecidos também por gostarem de passar o dia refastelados sem fazerem nada, por brincarem quando têm vontade e por pararem quando a brincadeira não lhes agrada ou quando já estão cansados, por mostrarem o seu desagrado com uma bufadela e eriçar de pêlo por vezes acompanhado por uma unhada e por serem tão, mas tão asseados que são incapazes de utilizar o seu caixote de areia quando ele não está imaculado.
As donas por sua vez, acham normal que uma brincadeira mais acesa termine com uns arranhões, que o pobre bicho mije fora do penico quando elas, umas porcas desmazeladas, por algum motivo não o puderam limpar, que a poltrona ou o sofá esteja todos arranhados para que ele possa afiar as unhas, que se pendurem nos cortinados, afinal de contas o bichano estava entediado e a escalada faz-lhe tão bem, que ele fique o dia inteiro deitado no sofá, refastelado contra a almofada preferida delas a enchê-la de pêlos. Acham normal terem de ir a correr para casa para ele não ficar o dia todo sozinho, mesmo que depois de elas terem chegado ele as ignore, o que na verdade não é ignorar, é apenas ter uma vida própria, personalidade, vontade e de momento não estarem virados para o mimo e para o carinho, que lhes cague a casa toda fazendo-as ter que limpar o que eles sujam, que as donas dedicadas estejam sempre dispostas da afagar o pêlo quando a sua excelência lhe convém, em suma, acham normal ter a sua vida, a sua casa e as suas rotinas adaptadas aos mini felinos, pior, acham normal, e exibem com orgulho desmedido, isso da independência, da preguiça e do "I do what I want mode" dos seus meninos, aceitando isso com uma enorme resignação e condescendência porque afinal eles são assim e pronto, ou se gosta ou se odeia.
E perguntem-lhes lá se elas querem um cão. Isso é que nunca!
Então iam agora ter alguém dedicado, fiel, pronto para a brincadeira, que vai com elas para todo o lado, que as defende, que fica deitado aos seus pés quando estão tristes, que dá pulinhos de contente quando chegam a casa, genuinamente felizes por as verem? É claro que não. Isso dá muito trabalho, exigem muito tempo e têm de se levar à rua a passear, quer faça frio ou sol. Uma canseira.
Eu não tenho animal nenhum, é certo, nem com pêlo, nem sem pêlo, nem com escamas ou penas e por isso há-de haver quem me venha com a conversa da companhia, da limpeza, da personalidade forte, do carisma e afins, que estes felinos domésticos têm e do poder que exercem nas solteironas e que eu, não sendo detentora de nenhum animal de estimação, não sei do que falo.
Até posso não saber o que é ser a mulher a dias do bichano, mas que sei que há aqui um padrão, lá isso sei, se é que percebem a analogia.
Se analisarmos cuidadosamente o comportamento dos gatos e a aceitação que as respectivas donas têm do mesmo e se projectarmos isso nas escolhas e aspirações amorosas que elas possam fazer, quase que arrisco dizer não têm gatos por serem solteironas, mas que são solteironas por escolherem ter gatos.
Ou isso ou os reduzidíssimos níveis de açucar que me correm no sangue me estão a provocar alucinações onde tudo isso, parecendo que não, está ligado.
...se bem que há sempre outras hipóteses mais simplistas e ilustrativas da coisa