segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Bater no fundo

Sempre que achamos que estamos a bater no fundo, descobrimos que há sempre mais um degrau para descer.

Hoje, às 15h, às três da tarde, disse à cria mais velha que o jantar estava quase pronto. Podia ter-me enganado e estar-me a referir ao almoço, mas não. Não houve qualquer erro na frase que me saiu pela boca e me ficou a ecoar na cabeça.

Estará esta pandemia a fazer de nós, mãe-mulheres-trabalhadoras mais sopeiras ou estamos só todos a ficar doidos?

A frase podia nem ter nada de muito errado caso fosse uma "stay at home mom's", mas não sou, pelo menos não no verdadeiro conceito. Stay at home é o que mais somos neste momento, sucede que, pelo menos no meu caso, home já não é só home. Home passou a ser também o escritório, o ginásio, o cabeleireiro, a esteticista, o café, o restaurante, o cinema, a discoteca, o bar...é tudo.

A esta hora que vos escrevo já fiz 45min de exercício, já tratei de mim, das crias (incluindo mascarar a mais nova com um vestido de princesa - outro - acabadinho de chegar), já teletrabalhei, já paguei contas, já dei almoços, já arrumei a cozinha e, tal como mencionei logo no início, já tenho o jantar quase pronto enquanto voltei ao teletrabalho.

Aquilo que em tempos seria uma pausa para um cigarro e dois dedos de conversa com colegas é agora a pausa para estender roupa, para pôr a máquina a lavar, para trocar uma fralda, para dar o lanche, para pôr a dormir a sesta, para ver como estão a correr as aulas online do mais velho ou para, como estou a fazer agora, escrever meia dúzia de baboseiras no blog.

Se antes nos arranjávamos para ir para o trabalho, agora aparecemos nas reuniões de equipa com umas orelhas de gato na cabeça - na melhor da hipóteses uma coroa - pois a cachopa não se entretém sozinha, e ainda assim queremos ter um ar respeitável, de profissional que deve ser levada a sério.

Podia estar aqui a baber palminhas a mim própria por tamanha capacidade de multitasking, mas não só seria algo ridículo, como na verdade não me parece que haja alguma coisa para comemorar.

Creio que estou com problemas de comunicação com o universo e cheira-me que não é de agora, mas vá. Há muito tempo que digo que quero ser dondoca. A pandemia e os sucessivos confinamentos não me fizeram mudar de opinião, mas carece explicar que não era bem isto que eu tinha em mente quando o desejava. Por dondoca eu não queria dizer uma sopeira enclausurada a trabalhar ainda mais do que trabalhava quando estava naquele pequeno infeno com luzes fluorescentes, acumulando javardamente todos os afazeres de mãe e do lar, sem ter sequer aquele escape de fim de tarde ou de fim de semana onde havia espaço para estar com amigos, para beber um copo, para dar um pé de dança, mesmo que esporádicos.

A minha profunda admiração vai para todas aquelas que, estando na mesma situação que eu, pelo menos no que diz respeito a estar em casa, conseguem aparecer nas redes sociais com óptimo ar, com cabelos maravilhosos, outifts elaborados e glamourosos. Eu não consigo sequer ter a roupa em dia e hoje, ao calçar uns ténis numa tentativa ridícula e desesperada de parecer mais composta, constato que me apertam os pés, os quais, há meses, não sabem estar de outra forma a não ser de meias.

Também sei que os meus queixumes são tão insignificantes que, perante todo o caos que pulula fora da minha porta, me devia sentir profundamente envergonhada por os estar a verbalizar. Talvez. No entanto a minha vida passa-se cá dentro, no 3 frt desta comuninade vertical onde habito e por isso sinto-me no direito de me queixar. É aguentarem! (adoro dizer isto assim à laia de quem está a dar uma justificação a um séquito de seguidores que na verdade não devem mais mais do que 2 ou 3).

#avidaemconfinamento #pandemia ##fucksómeapetecedizerasneiras

1 comentário:

  1. Não só aplaudo esse assumir de que não há nada para comemorar, como digo que tend todo o direito à queixa.
    Haver pessoas pior que nós não retirar sofrimento. Apenas indica que temos de aprender a gerir as nossas dores.

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